ESTADO DE ALAGOAS PREFEITURA MUNICIPAL DE MACEIÓ
CÂMARA MUNICIPAL DE MACEIÓ - CMM
COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO, JUSTIÇA E REDAÇÃO FINAL - PROCESSO Nº. 09300017/2021.
PROCESSO Nº. 09300017/2021.
PROJETO DE LEI N° 448/2021
INTERESSADA: VEREADOR BRIVALDO MARQUES
RELATOR: VEREADOR CHICO FILHO
DA COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO, JUSTIÇA E REDAÇÃO FINAL, SOBRE O PROJETO DE LEI Nº 448/2021, QUE DISPÕE SOBRE RESTRIÇÃO À IMPLANTAÇÃO DE PORTARIAS VIRTUAIS EM CONDOMÍNIOS HABITACIONAIS NO MUNICÍPIO DE MACEIÓ.
I – RELATÓRIO
O projeto de lei em epígrafe, de autoria de Sua Excelência o Vereador Brivaldo Marques, propõe, como anuncia sua ementa, a proibição da implantação de “portarias virtuais” em “condomínios habitacionais de Maceió”.
De igual maneira, impõe a condomínios “não habitacionais” – por inferência – que se utilizem da chamada “portaria virtual”, a contratação de seguros para os sinistros que relaciona nos incisos I e II do artigo 2º da proposta em análise.
Da justificativa do Autor, sobreleva-se o nobre desiderato de assegurar maior segurança a condôminos e visitantes, conforme se vê do trecho a seguir reproduzido:
“A presente Proposta visa restringir o uso de portarias virtuais nos condomínios habitacionais no município de Maceió, uma vez que elas não monitoram determinados riscos, não garantindo, assim, a segurança dos condôminos.
O funcionamento dessas portarias é relativamente complexo: nos portões de acesso para pedestres e veículos, existe um sistema em que a abertura se faz através de uma central que remotamente franquia a entrada e a saída de moradores e de veículos nos condomínios. Esse sistema depende essencialmente de serviços de internet, com a automação dos portões, sensores e câmeras de monitoramento. Muitas vezes, a central de monitoramento está a centenas de quilômetros do condomínio e age de acordo apenas com o que mostram as câmeras de monitoramento desse condomínio.”
De igual maneira, o Autor demonstra louvável preocupação com as repercussões sociais da utilização do mecanismo batizado “portaria remota”, senão veja-se o seguinte trecho da justificativa da proposta:
“Ademais, esse sistema pode provocar vários impactos em nossa sociedade, tais como a supressão dos trabalhadores que atuam em portarias, o que aumentará o desemprego. Com uma proposta como esta que pretendemos implementar, São Paulo evitou que aproximadamente 149 mil vagas de porteiros fossem extintas.”
Nos termos do inciso I, artigo 63, cabe a esta Comissão se pronunciar sobre os aspectos constitucionais, legais, jurídicos e regimentais da proposta, o que se passa a fazer.
II – ANÁLISE
A despeito da notória proficiência técnica do Vereador autor, o apreço deste relator por sua atuação parlamentar e o caráter louvável da justificação declinada em relação à proposta em análise, não se pode ignorar as graves violações constitucionais propostas pelo projeto, bem assim questões relativas à redação, como se passa a declinar.
II.1 – DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA LIVRE INICIATIVA E DO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE
A Livre Iniciativa é um dos fundamentos da República Brasileira, conforme inciso IV, artigo 1º da Carta.
Segundo o entendimento da doutrina majoritária, a liberdade de iniciativa envolve a liberdade de indústria e comércio e a liberdade de contrato. O parágrafo único do artigo 170 da Constituição Federal dispõe que “é assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”.
“A livre iniciativa é exercida em nosso regime político, por meio da liberdade individual atribuídas aos sujeitos, assim reconhecidos pelo direito, para que façam a gestão de seus interesses (...) A tutela atribuída pela Constituição à livre iniciativa não enseja a intervenção ou dirigismo do Estado, nas relações contratuais privadas. Sob essa perspectiva, qualquer restrição será sempre muito vaga, podendo extrapolar o fim constitucionalmente desejado”.
Em julgamento recente, o STF firmou o seguinte entendimento.
“(...) A liberdade de iniciativa garantida pelos artigos 1º, IV, e 170 da Constituição brasileira consubstancia cláusula de proteção destacada no ordenamento pátrio como fundamento da República e é característica de seleto grupo das Constituições ao redor do mundo, por isso que não pode ser amesquinhada para afastar ou restringir injustificadamente o controle judicial de atos normativos que afrontem liberdades econômicas básicas. (...) O exercício de atividades econômicas e profissionais por particulares deve ser protegido da coerção arbitrária por parte do Estado, competindo ao Judiciário, à luz do sistema de freios e contrapesos estabelecidos na Constituição brasileira, invalidar atos normativos que estabeleçam restrições desproporcionais à livre iniciativa e à liberdade profissional. O sistema constitucional de proteção de liberdades goza de prevalência prima facie, devendo eventuais restrições ser informadas por um parâmetro constitucionalmente legítimo e adequar-se ao teste da proporcionalidade, exigindo-se ônus de justificação regulatória baseado em elementos empíricos que demonstrem o atendimento dos requisitos para a intervenção. (...)” (STF, ADPF 449, rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 8/5/2019, DJE de 2-9-2019)grifou-se
De lado outro, sobreleva-se da nobre proposta, uma dilação grave dos limites ordinatórios do Estado em relações privadas, pois que proíbe o exercício do arbítrio de particulares sob a justificativa de sua “segurança”, uma avaliação, data venia, de foro íntimo.
Sob esse mesmo prisma, poder-se-ia, ad absurdum, proibir a circulação de indivíduos portando objetos de valor em trechos da cidade onde haja recorrência de roubos e furtos. Essa é, de igual maneira, uma avaliação de natureza pessoa, individual, e de foro íntimo. Se o conjunto de condôminos de determinado condomínio, na forma do estatuto condominial, entende que o controle de acesso ao imóvel e a sua segurança deve ser feita de tal e qual maneira, não cabe ao legislador tal valoração.
Nesse norte, O Supremo Tribunal Federal, reiteradamente, vem declarando a
inconstitucionalidade material de leis que estabelecem restrições excessivas a direitos
por reconhecer o abuso do poder de legislar na criação de obrigações desarrazoadas ou
de difícil implementação prática.
“(...) todos os atos emanados do poder público estão necessariamente sujeitos, para efeito de sua validade material, à indeclinável observância de padrões mínimos de razoabilidade. As normas legais devem observar, no processo de sua formulação, critérios de razoabilidade que guardem estrita consonância com os padrões fundados no princípio da proporcionalidade (...) A exigência de razoabilidade - que visa a inibir e a neutralizar eventuais abusos do Poder Público, notadamente no desempenho de suas funções normativas - atua, enquanto categoria fundamental de limitação dos excessos emanados do Estado, como verdadeiro parâmetro de aferição da constitucionalidade material dos atos estatais” (STF, ADI 2667 MC/DF, Pleno, Relator Ministro Celso de Mello, julgado em 19/06/2002, DJ de 12/03/2004, p. 36).”
De acordo com Humberto Ávila, "a razoabilidade estrutura a aplicação de outras normas, princípios e regras, notadamente das regras. A razoabilidade é usada com vários sentidos. Fala-se em razoabilidade de uma alegação, razoabilidade de uma interpretação, razoabilidade de uma restrição, razoabilidade do fim legal, razoabilidade da função legislativa. Na interpretação das normas legais deve-se presumir o que normalmente acontece, e não o extraordinário." (ÁVILA, Humberto. “Teoria dos Princípios”. 6ª. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, pág. 57)
De tal maneira, sem olvidar o propósito nobre do Vereador Autor, cujas preocupações declinadas à Justificativa não devem ser ignoradas pelo Estado ou por este Poder Legislativo Municipal, vê-se que o texto encontra óbices constitucionais intransponíveis, o que nos obriga a exarar parecer pela inconstitucionalidade da proposta.
No âmbito infraconstitucional, vale registrar que, de igual maneira, a proposta viola a Lei Orgânica do Município de Maceió que, na esteira do Texto Constitucional, prestigia, em seu inciso I do artigo 6º, a livre iniciativa.
Por fim, ressalte-se que tais considerações se aplicam tanto ao caráter proibitivo da proposta (artigo 1º), como seu caráter impositivo (artigo 2º), já que o primeiro impede eventual redução de custos, enquanto o segundo representa imposição de custos cujos efeitos, em um ambiente econômico já degradado, poderia produzir repercussões sociais mais gravosas do que aquelas que a proposta busca evitar, ou, como descrito pela econômica: as chamadas unintended consequences (“consequências não intencionais”), que são os inexoráveis efeitos colaterais econômicos de medidas de intervenção.
Como exemplo dessas consequências, poder-se-ia conjecturar sobre a elevação do nível de taxas condominiais comerciais, elevando o patamar de inadimplemento e reduzindo a capacidade de investimentos da iniciativa privada.
II.2 – DAS QUESTÕES REDACIONAIS – CARÁTER EXCESSIVAMENTE GENÉRICO DO TEXTO
Em outra toada, depreende-se da proposta sub análise que sua construção prestigia abordagem excessivamente genérica, iniciando-se por seu artigo 1º: o que seria a “portaria virtual”?
Embora a justificativa possa dar indícios do desiderato do Autor, a ausência de conceituação precisa no texto do projeto infirmaria a segurança jurídica, já que a internet, a rigor, é uma rede que interliga dispositivos telemáticos.
Nesse sentido, e a rigor, condomínios que se utilizem de interfones de rede interna estariam sujeitos à incidência da norma proposta.
De igual maneira, não há, no Projeto de Lei em análise, a indicação do órgão municipal que seria competente pela fiscalização e enforcement da eventual lei, tornando-a inócua, desnuda de praticidade.
A forma como construída, portanto, viola a Lei Complementar nº 95/1998, que “Dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal”, notadamente seu artigo 3º.
Portanto, carece também a proposta de uma maior acuracidade textual; seara que se insere no âmbito de competência desta Comissão.
III – CONCLUSÃO
Por todo o exposto, limitando-se à competência desta Comissão de Constituição, Justiça e Redação Final e diante dos fatos e fundamentos acima expostos, voto pela INCONSTITUCIONALIDADE do Projeto de Lei nº 448/2021, devendo ser aplicada todas as consequências regimentais advindas desta condição.
Sala das Comissões, em 18 de Outubro de 2021.
FRANCISCO HOLANDA COSTA FILHO
Relator
VOTOS FAVORÁVEIS:
Teca Nelma
Aldo Loureiro
Fábio Costa
Leonardo Dias
Silvania Barbosa
VOTOS CONTRÁRIOS:
Publicado por:
Evandro José Cordeiro
Código Identificador:C14EEC31
Matéria publicada no Diário Oficial Eletrônico do Município de Maceió no dia 28/10/2021. Edição 6312
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